segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Outro conto de Natal

Célia era a irmã mais velha de uma familia de 5 filhos. A vida não foi fácil pra ninguem ali mas ela teve condição de estudar, ao menos. Le e escreve até que bem.
Por necessidade, acabou indo trabalhar no varejo, no setor de pacotes de uma grande rede. Tinha que aguentar muita coisa. Humilhação de pobre para pobre, que sempre acaba em baixaria.
Maria Célia Silva Santos todos os dias pegava um ônibus duas quadras de casa e descia no ponto final. Mais 1 lotação e chegava no trabalho. Já ia logo para o seu posto.

Ela sempre foi muito mal humorada e já não aguentava mais. Trabalhava no setor de pacotes de presente.
Era o caos.
Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais e até Dia da Amante.
Um monte de tralha que não ia servir pra nada, pensava ... mas tinha que embrulhar.

Teve uma senhora que comprou um kit de parafusos para o pai. Tinha 2 de cada tipo. Eram uns 14.
"_ Minha fia, embala bem bunito aí que é pro meu painho. Ele tá velhinho, tá com umas tremedeira nas mão, e por isso quero dá um presente pra ele ficá bem filiz!"
Célia pensou: mas que diabo o véio vai fazer com 14 parafusos? O homem nem força na mão tem. Mas o fato é que eles estavam em promoção. Muita gente levou. Mas só aquela senhora mandou embrulhar.

E tinha de tudo.
Tinha gay disfarçado comprando a G magazine e mandando embrulhar só pra fingir que era pra outra pessoa. Célia ficava "ferrada" porque sabia que mal o cara ia sair de lá já ia arrebentar o papel de presente que ela fez com tanto carinho. Desgramado mentiroso.

Teve também o cara que comprou um par de meias e mandou fazer dois embrulhos. Um pé em cada pacote. Disse que era uma brincadeira de amigo secreto. Brincadeira, brincadeira - e Célia ia se enchendo de trabalho .... e se enchendo DO trabalho.

Tinha o seu Oscar, que nem bem recebia a aposentadoria e ia lá. Comprava vários queijos e mandava embrulhar tudo. Já era dificil embrulhar comida. Mas não era só isso. Passava um ou dois dias, seu Oscar voltava. Dizia que tinha deixado os queijos na geladeira, embrulhado pra levar pra filha, mas que com a humidade o papel tinha molhado e rasgado. Será que ela não podia fazer de novo o pacotinho?

Célia já estava enlouquecendo.

Até que um dia entrou um menininho com R$ 1,80 na mãozinha perguntando se dava pra comprar um litro de leite para a vovó dele e fazer um embrulho bem bonito pra ela poder tomar remédio .

Disseram que nesse dia Célia chorou. Depois disso, não foi mais a mesma.
Contou a história pra todo mundo e sentiu muito não conseguir ter ajudado o menino. Seu salario também não permitia muita coisa e justo naquele mês estava devendo mais de R$ 100 para a prima.

Começo de Dezembro, na hora do almoço, enquanto a fila do embrulho ia engrossando, Célia conseguiu fazer 15 minutos de lanche. Dos 15 minutos, 10 passou na fila da Loterica. Resolveu jogar. Foi direto na Mega Sena.

E veio a surpresa: Célia era a nova dona da BOLADA quase inteira da MEGA SENA.

Em casa foi uma festa. Até Gesimar, seu ex-namorado (por quem foi apaixonada a vida toda) se reaproximou.
Numa terça feira de chuva, 3 dias antes do Natal, Célia estava atravessando a rua, quando viu a cena.
Uma senhorinha - andava devagar, tinha uma bengala bem fina e gasta. Tossia muito e a roupa do corpo quase não agasalhava.
Era ele. Ali, amparando a senhora.
O menininho do leite. Lembrou das covinhas que notou que ele tinha enquanto pedia o papel de embrulho.

Célia se aproximou. Seguiu os 2. Viu quando entraram no metrô e foi atras.
Seguiu o menino e sua avó até a porta da casa tão humilde que novamente Célia chorou. De longe não dava nem pra notar o choro, tanta era a chuva fina e descompassada que caia no seu rosto.
Nem dava pra notar a chuva, tanto era o choro que caia no seu rosto.
Se informou com a vizinhança e descobriu que a historia era ainda mais triste.

A senhora tinha um tumor sério e que já tinha tomado parte do corpo. Os médicos já haviam desenganado. Ela teria seu ultimo Natal. O menino, sempre triste e assustado, não sabia o que podia fazer. Com a aposentadoria da velha, pagavam o aluguel do barraco. Um vizinho disse que até onde ele sabia, sobrava menos de R$ 50 para a comida.

Célia fez o caminho de volta e jurou que aquela ia ser a atitude mais importante de sua vida.
Fez tudo o que tinha que ser feito burocraticamente sozinha.
Arrumou a papelada. Comprou uma casa para os dois. Fez acerto com o hospital do bairro - o menino e a senhora teriam assistencia para o resto da vida. Assim como o hospital, o supermercado também foi acionado. Receberiam cesta básica por longos anos.

Até hoje eles não ficaram sabendo quem fez essa boa ação, e parece que a senhora vem melhorando mes a mes. Os médicos não sabem explicar, mas o tumor já diminuiu 50%.

Há quem diga que a preocupação acelera a doença. Nesse caso talvez tenha sido verdade. Eu acredito.

O fato é que uma das partes mais bonitas da historia ainda está por vir.
No dia de Natal, um carro para na porta da casa do menino e da senhorinha. Era de um buffet. Entraram e entregaram muita muita comida para uma ceia inesquecível.

Menino valente aquele. Mas não se conteve.
Quem viu, disse que ele chorava de joelhos agradecendo ao Papai Noel e levantando os bracinhos para cima. Criança tem alma limpa, lavada. Igual à chuva de outro dia.

Célia viu tudo de longe e também agradecia aos céus pela oportunidade de ajudar. Entendeu que viver de forma amarga, não ia melhorar em nada sua vida simples e humilde.

Hoje em dia, ela entende que algumas pessoas não sabem direito entender as necessidades reais das outras, igual à senhora que levou parafusos para o pai.
Também tem gente, que vive como se o mundo fosse uma grande brincadeira, como o rapaz das meias de amigo secreto.
Há também, quem veja em um simples pedaço de queijo, um presente marcante.

E acima de tudo, hoje Célia entende que Deus, às vezes, escreve lindos contos.
Esse foi um deles.

DESTA VEZ, RESOLVI ESCREVER UMA HISTORIA DIFERENTE.
COMO AJUDAR ALGUÉM, COM BEM MENOS DE 15% DA MEGA SENA.
PROMETO QUE DE UMA FORMA OU DE OUTRA, COMEÇANDO COM OS MAIS PRÓXIMOS, EU MESMA VOU PASSAR A AJUDAR.
ÀS VEZES, 5% DO SEU SALARIO JÁ PODE MUDAR A VIDA DE MUITA GENTE ...
FELIZ NATAL À TODOS!

Obs. Inspirado em Um Conto de Natal, de Charles Dickens, uma das minhas historias preferidas.

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