domingo, 5 de julho de 2009

Mês que vem eu volto!

Todo santo mês, Sr. Fausto entrava na loja de carros novos e semi-novos da esquina.

Com seu terno já meio surrado mas ainda alinhado, se arrumava bem e ia.

Os vendedores já o conheciam havia um bom tempo.

Entrava, já com cara de desdém, ia de carro em carro.

Algumas vezes, um vendedor novo, sem imaginar o motivo de os outros passarem a vez, ia se apresentando:

"_Bom dia/boatarde/boanoite, meu nome é Marcos, em que posso ajudar?"

Sr. Fausto olhava o rapaz, de cima à baixo. E de novo. E mais uma vez. Nem responder respondia.
Quando respondia, era mal educado:

_ Olha meu rapaz, ajudar você até ajudaria se pudesse encontrar aqui na loja um carro bom para mim. Estou cansado de vir à esta loja e nada de novidades e nem de carro bom. Só lata velha (salve Luciano Huck).

Os vendedores já nem faziam mais questão. Mas principalmente Olavo.
O mais antigo vendedor da loja já estava de saco na lua por conta do homem.
Ah, muito tempo de loja né? Muitas visitas do Sr. Fausto. Desde que Fausto ainda não era nem Sr.

Quando o supervisor da rede estava na loja, Olavo era obrigado a atender Sr. Fausto. Dizia o supervisor que cliente difícil tem que ser atendido pelo mais antigo vendedor, assim a venda fica mais fácil.

Não sei de nada. Só sei que quando Olavo via Sr. Fausto já começava a suar. ODIAVA ter que atender o velho.

Após tantas visitas regulares, os vendedores achavam que na verdade, Sr. Fausto não tinha era grana para o carro.

Se tivesse, já teria se interessado por algum, afinal, era uma visita por mês e nada. Só insultos. E oras bolas, algum carro teria interessado o homem que visitava a loja há uns 8 anos no mínimo. Mas nunca assumiu interesse real por algum veiculo.

Motivos? Nenhum que me convença.

Uma hora era a nova cor do Peugeot. Imagina, cinza manitoba. Nunca! Depois rala o carro por aí e como é que se acha essa tinta de cor nova? Ah, não!

Voyage relançado? Ah, o quê é isso? Não se respeita mais a nostalgia. Virou carro de bacana. Bons tempos quando tinha o meu ...

E essa frente nova do Gol? Não senhor. Gol era bom mesmo antigamente. Agora tá mais pra carro importado. E carro importado chama muita atenção. Peirgoso. Mês que vem eu volto!

E voltava mesmo.

"_Olha, não venderam o Jaguar ainda né? Algum defeito deve ter esse carro. Nunca sai."

Apesar de todo o desprezo pelos carros da loja, todos sabiam que no fundo, o coração velho do velho batia mesmo era pelo Jaguar. Uma relíquia. Bonito que só. Preto. Imponente. Os vendedores já haviam perdido a conta de quantas vezes o homem havia entrado no carro.

Todos reparavam que a vontade era de levar o Jaguar pra casa. Mas não dava pra confidenciar que a grana não daria. Tinha que existir alguma desculpa esfarrapada: "_Ah, se eu não tivesse rinite alérgica, eu levava esse. Vou ver se passo no alergologista e faço um tratamento. Apesar de que esse carro mais parece uma banheira de luxo ... Bom, mês que vem eu volto!"

O caso é que nada de comprar nunca.

O pior era a falta de educação do velho. Tratava a equipe e os carros todos com desdém. Olavo já havia brigado umas 3 vezes com o homem. Se segurou umas 18 mas bate boca mesmo só 3.

Tanto Olavo quanto Fausto jogavam frequentemente na Mega Sena. Olavo até viu um dia o outro na lotérica. Chegava a torcer por ele para que até que enfim, quem sabe, o homem pudesse entrar na loja e realizar a tão esperada compra.

Mas quem faturou mesmo a bolada, em um belo dia de sol, foi Olavo, o vendedor.

Não hesitou.

Simplesmente comprou a loja com o estoque todo dentro.

No final do mês lá vinha ele. Com seu terno surrado, mas nem tanto.

Quando Sr. Fausto chegou na porta da loja, um cão começou a latir sem parar.
Estranhou o portão fechado e a placa: Propriedade Privada - Proibida a Entrada Não Autorizada.
Mesmo assim tocou a campainha. DIN DON ... DIN DON.

Quem aparece para abrir a porta é Olavo.

Sorridente, foi logo abraçando Sr. Fausto: "_Fausto, Fausto, como vai? - Veio ver se até que enfim conseguimos algum carro bom o suficiente para você não é?"

É uma pena, homem, mas a loja já não existe mais. Agora é toda minha.

Sim, Fausto. Comprei a loja inteira e agora ela virou estacionamento para meus carros todos.

Larguei a vida de vendas porque já to cheio da grana ... E lembrei muito de você quando comprei a loja. Pensei: POXA, ACHO QUE VOU DAR ESSE JAGUAR AQUI PARA O FAUSTO.

Mas depois lembrei: MALDITA RINITE. Não vai dar. Que pena.
Peguei a carcaça do bicho e um arquiteto de renome e montei uma BANHEIRA DE LUXO lá na minha casa nova. Ficou bom viu? Até que você tinha razão!

Nesse dia Olavo dormiu tranquilo.
Quem não dormiu foi Fausto. Mas que repensou sua forma de ver a vida, ah isso fez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário